4 passos para construir uma cultura mais orientada a dados
Não é sobre tecnologia, é sobre consciência.
Sou um defensor ferrenho da transparência. Para mim, transparência é um dos fatores sine qua non para se ter um time de alta performance. É o que permite que as decisões possam ser tomadas de forma mais descentralizada (promovendo a agilidade); É o que gera mais autonomia, sem a necessidade de interrupções para solicitar informações; É o que promove maior orientação a resultados em times (a famosa peer pressure).
É também uma forma fundamental de fortalecer a ética e o compliance dentro da organização. Inclusive, uma das minhas citações favoritas é a de Louis Brandeis, que foi ministro da Suprema Corte americana e ajudou a desmontar inúmeros monopólios:
Luz do sol é o melhor desinfetante que existe.
Mas a transparência, sozinha, não resolve todos os problemas. E a transparência de dados, já avançando para nosso tema em questão, não faz com que as pessoas magicamente passem a tomar melhores decisões. É preciso mais.
Informação abundante, percepções diferentes
Há uns bons anos atrás, quando estávamos no começo da Tribo, passamos por uma situação que escancarou, pelo menos para mim, como apenas a transparência não era suficiente para promover melhores decisões.
Eu e o Ryo (que inclusive foi quem me inspirou a começar nessa newsletter, e tem uma newsletter imperdível) resolvemos fazer uma apresentação para todo o time sobre as finanças da empresa. Passamos por um período de baixa comercial que, naturalmente, afetaria nosso faturamento alguns meses há frente, dado nosso prazo padrão de pagamento. Então para nós seria super importante controlar custos nos próximos meses, para garantir a saúde financeira da empresa. E os dados mostravam isso claramente, desde os dados comerciais, aos resultados de projetos, até mesmo os consolidados financeiros. Mas as pessoas receberam as informações com surpresa, ao invés de chegar nas mesmas conclusões que nós (que nos parecia óbvias):
“Se temos uma queda comercial, não é só focar os esforços comerciais esse mês?” “Se o meu projeto está dentro da margem acordada, porque preciso reduzir custos?”
Ora, mas os números mostravam que a redução de custos de projetos e de algumas despesas, naquele mês, eram a melhor abordagem para trazer segurança no curto prazo. E todos os números que demonstravam isso estavam abertos: desde o sistema comercial, que todos acessavam e alimentavam, até dados financeiros e de resultados de projetos.
Mas o fato de serem bases de dados disponíveis, não quer dizer que estavam sendo utilizadas para tomada de decisão. Cometemos alguns erros de julgamentos:
Que as pessoas espontaneamente abririam as bases de dados para avaliar os números que ali constavam;
Que as pessoas saberiam manipular os dados para chegar na visão agregada (olhar só para receita ou só para despesas não é o suficiente, por exemplo);
Que, mesmo com os dados consolidados, as pessoas saberiam analisá-los da melhor forma (por exemplo, percebendo a relação temporal entre a curva de vendas e a curva de faturamento).
Aquela experiência nos fez pensar muito sobre a forma como as informações eram compartilhadas: entre todas as reações que poderíamos esperar, sem dúvidas não gostaríamos que surpresa fosse uma delas.
Na minha experiência seguinte de liderança, dessa vez na Qura, acabei de me fazendo a seguinte pergunta: como podemos compartilhar informações de forma sistemática, garantindo que usamos os dados disponíveis para tomar melhores decisões?
Isso me levou a desenvolver uma abordagem de quatro passos para tratar os dados da organização, utilizando 4 Cs (apenas para facilitar a memória):
Cada etapa é quase que uma evolução da etapa anterior, ainda que a tentativa fosse de avançar em cada uma delas de forma mais ou menos em paralelo. Abaixo a descrição de cada um dos passos:
1. Coletar
Para utilizar dados para decidir, você naturalmente precisa de dados. É uma constatação óbvia, porém, com efeitos práticos relevantes. O que medir? Como medir? Essas provavelmente são perguntas que mereceriam um artigo por si só, mas aqui vão duas constatações relevantes:
O que medir é uma decisão estratégica
Se você está no começo da implantação de uma cultura orientada a dados na sua organização, não vale a pena coletar tudo que der: levantar os conectores de todas as mídias sociais, todos os dados financeiros, todas as plataformas, etc. Isso tende a gerar mais sobrecarga do que ação.
Uma abordagem mais sustentável é escolher um conjunto pequeno de indicadores, e coletá-los com alguma frequência, e ir aumentando o número de indicadores à medida que a organização se torna mais madura. Isso, claro, considerando também o ponto a seguir.
O custo da coleta importa
Tive recentemente uma conversa com uma pessoa do nosso time que tinha o seguinte dilema: algumas pessoas gostariam de ver certos números diariamente, porém, eles vinham de uma base que exigia a coleta manual dos dados, o que levava um certo tempo. Vale a pena pagar o preço da coleta diária? A pergunta que fiz foi a seguinte: “as decisões em relação a essa variável são tomadas diariamente, ou ver diariamente apenas sana a curiosidade?”
Muitas das vezes acabamos perdendo tempo medindo coisas pouco importantes, ou que exigem muito esforço. É fundamental fazer a seguinte pergunta: o esforço de medir compensa?
Minha heurística para coleta de dados é a seguinte: prefira formas de coletar diretamente da fonte, sem esforço humano (se as pessoas trabalham em uma plataforma digital, no geral isso se torna relativamente fácil). Se isso não for possível, garanta que os esforços delas não são em vão: ninguém merece preencher um formulário, escrever um relatório ou levantar um dado que vai parar na gaveta.
2. Contextualizar
Temos dados coletados, mas e aí? Como utilizá-los para tomar boas decisões? O que a experiência me ensinou foi que trazer contexto é fundamental para transformar um dado em algo verdadeiramente útil.
O que me lembra de outra conversa recente relacionada a análise de dados: ao debater os resultados financeiros de uma das empresas do Grupo Anga, ficou evidente que um dos negócios tinha dois negócios dentro de si: um negócio de projetos de preço razoável e altíssima margem, dado que eram exclusivamente realizados por pessoas internas, e um negócio de projetos de preço elevado e margem menor, dado que eram realizados por pessoas externas à organização, o que elevava custos. Ao discutir margem, ticket médio ou outras métricas de forma agregada, perdia-se muita informação útil pra tomada de decisão, tornando a coleta daquele número uma “obrigação formal”, ao invés de um instrumento relevante de decisão.
De forma geral, a questão a ser observada é: em que contexto faz sentido analisar esse dado? Num contexto histórico? Numa comparação com outro dado que possivelmente é correlacionado? Separado por alguma característica em específico?
Agregar contexto a um dado não é uma tarefa simples, e exige certo conforto com as informações disponíveis. Então é papel do líder que quer incentivar uma cultura de decisão baseada em dados apoiar as pessoas a contextualizar as informações que pretendem utilizar, até que sejam capazes de fazer isso por conta própria.
3. Compartilhar
E o que fazer com os dados coletados e contextualizados? Precisam ser compartilhados! Depois de seguir os dois passos anteriores reparei o seguinte: no geral, as pessoas utilizavam as informações disponíveis por algum tempo. Depois, era natural que se perdessem: perdi a conta de quantas vezes que precisei “reenviar os links dos dashboards” para as pessoas do time.
Uma solução tecnológica que ajudou muito no compartilhamento de dados foi a criação de uma estrutura simples de compartilhamento de dados: a utilização de uma ferramenta de BI (como o Google Data Studio) incorporada em um sistema de conteúdo (como o Google Sites). Assim, ao invés de procurar links específicos com dashboards, e outros ensinando a utilizá-los, começamos a criar estruturas extremamente rastreáveis de informação, como um site, cuja navegabilidade é fácil por meio de um menu intuitivo, com dashboards incorporados em páginas que detalham o que é a informação, para que ela serve e como analisá-la.
Uma boa (e simples) forma de medir o quão bem compartilhada está uma informação é a seguinte: se você perguntar para as pessoas algo que elas necessitam de algum dado para responder, quanto tempo elas precisam para voltar com uma resposta?
4. Conversar
O último passo, que foi o que efetivamente fortaleceu uma cultura de tomada de decisão baseada em dados na nossa organização, é tão simples quanto parece: conversar. Mesmo com dados abundantes e disponíveis, eles só são utilizados se estiverem no campo de atenção das pessoas: na correria do dia a dia, nem todo mundo abre um dashboard ou uma planilha para tomar uma decisão de negócio.
Minha forma de lidar com isso foi o de utilizar os dados para embasar as decisões, ao invés de apenas buscá-los na hora que eram necessários. Comecei a conduzir as usuais reuniões frequentes com os portais de informação abertos, aproveitando os gráficos disponíveis na tela de todos para debater resultados, tendências e riscos à luz das atualizações que estavam acontecendo na reunião. Dessa forma, não apenas passamos a tomar decisões mais embasadas, como o próprio ritual de discutir se tornou um instrumento pedagógico: pessoas que não eram tão acostumadas a ler gráficos e planilhas passaram a fazê-lo mais naturalmente, ao entender, nas discussões, como as demais abordavam as questões que estavam sendo discutidas ali. Com o tempo, discutir os resultados do dia a dia nas reuniões semanais, ou mesmo os resultados mensais nas retrospectivas, deixou de ser um processo custoso e se tornou o jeito normal de fazer as coisas.
Uma das frases clássicas e mais conhecidas de Peter Drucker, o pai da administração moderna, diz que “o que não é medido não é gerenciado”. E eu concordo plenamente. Mas Drucker não estava propondo que os gestores medissem e esperassem que as pessoas magicamente tomassem decisões melhores. Medir é só o primeiro passo: é preciso contextualizar o que se está sendo medido, compartilhar com os demais e conversar sobre o que está sendo avaliado.
Grandes projetos não são suficientes para construir uma cultura orientada a dados: é necessário o esforço, dia após dia, de construir o hábito de silenciar a opinião e ter a humildade de olhar para para o que a realidade efetivamente está nos apontando.
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