Aprenda a regular seu stress - Parte 1
Antes de tentar controlar algo, é preciso entender sua origem.
Em fevereiro de 2019 tive, pela primeira vez, uma crise de stress no trabalho. Stress não era, nem nunca foi, uma novidade. Afinal de contas, construir coisas relevantes e lidar com pessoas vai, invariavelmente, te levar a situações estressantes. Mas, nesse caso em específico, fui tomado por uma profunda sensação de incapacidade e sobrecarga, que me deixou incapaz de produzir por algum tempo.
Nessa época, eu e meus sócios do Grupo Anga tínhamos a honra e o privilégio de contar com a mentoria e o apoio do Dr. Daniel Friedland, médico neurocientista e uma das pessoas mais brilhantes e amorosas que já conheci. Danny infelizmente nos deixou em 2021, e ainda carrego comigo os inúmeros e impagáveis aprendizados que tive com ele. Aprendizados esses que podem (e irão) dar origem a diversos outros artigos.
Porém, gostaria de dedicar esse artigo e o próximo para tratar de um aprendizado que me fez não apenas superar essa crise, mas aprender a ressignificar fundamentalmente minha relação com stress.
Definindo o que é stress
Antes de falar sobre como lidar com ele, é importante definir o que é stress.
No meu caso, a crise veio de uma sensação de incapacidade de lidar com os problemas ou demandas em questão. E talvez eu não estivesse errado, e realmente fosse incapaz de lidar com as demandas naquela situação em específico.
Porém, Danny me apresentou uma definição diferente. Para ele stress não era sobre “será que consigo lidar com os problemas”, mas sobre “estou sentindo isso porque algo importante pra mim está em jogo”. Você só se sente estressado sobre coisas que importam para você. Se não importam, naturalmente, não te afetam.
Essa pequena mudança de definição já me ajudou a repensar minha relação com o que estava acontecendo: afinal de contas, eu só estava me sentindo sob pressão porque achava importante uma quantidade grande de coisas, não necessariamente porque seria incapaz de lidar com elas.
Ele então me apresentou um modelo simples, que mudou radicalmente minha forma de pensar sobre stress: o modelo dos recursos e demandas.
Danny me ensinou que o stress se origina justamente de uma relação desequilibrada entre o que o mundo demanda de nós, e os recursos internos que temos (mais sobre essas definições à frente).
Quando nossos recursos são maiores do que as demandas que estão sobre nós, temos uma postura de “crescer perante o desafio” (rise to the challenge, no original). Sentimos que, apesar da demanda que está sobre nós naquele momento, somos capazes de superá-la, seja porque temos os conhecimentos necessários, estamos energizados, ou qualquer outro “recurso interno” que nos empurra para frente naquele momento.
Por outro lado, quando nossas demandas são maiores do que os recursos disponíveis, temos uma postura de “entrar na caverna” (cave into threat, no original). Sentimos, como eu senti naquele fatídico 2019, que as demandas estão nos engolindo, o que gera insegurança e uma sensação de insuficiência. E essa sensação não apenas afeta nossa capacidade de produzir, mas a forma como lidamos com outras pessoas.
Ao aprender esse modelo, estava claro para mim que as demandas haviam superado meus recursos internos e, por conta disso, entrei um processo de crise. Me dei conta que lidar com o stress tem a ver com:
diminuir, ou reorganizar, as demandas que se tem no dia a dia
aumentar os recursos internos que se tem para lidar com elas
Nesse primeiro artigo, pretendo focar em como lidar com as demandas, e no seguinte, como encontrar formas de aumentar os recursos internos.
O que são demandas?
Por demanda, quero dizer qualquer coisa que demanda nossa preocupação ou atenção em um dado momento. Uma demanda pode ser uma tarefa que temos que executar, seja ela pessoal, profissional, ou simplesmente uma informação que nos causa alguma preocupação, como uma notícia ruim, ou expectativa futura.
O problema não são as demandas em si, mas sim a concentração delas. Fazer dez tarefas pode não ser grande coisa, dependendo do horizonte de tempo que se considera, mas tentar fazer dez tarefas ao mesmo tempo sobrecarrega qualquer um.
Nesse artigo, apresento o diagrama abaixo para ilustrar as diferentes as zonas de atenção (se quiser se aprofundar mais sobre o assunto, sugiro lê-lo!):
Utilizando as definições que apresentei lá, proponho que consideremos demandas como o que ocupa nossa zona de atenção imediata e secundária. Ou seja, quando estamos realizando uma atividade, mas nos preocupando com dezenas de outras coisas naquele mesmo momento, estamos com um alto nível de demandas. E claro, o nível de complexidade de cada uma das questões, seja da tarefa em si ou das demais preocupações, também afetam nossa percepção: quão mais difícil é algo, mas demandante aquilo é.
Aqui vale pontuar uma obviedade, mas que tem uma consequência estratégica (como abordei no artigo): o que está na zona de desatenção não nos causa stress. Por isso mesmo parte do processo de lidar com demandas passa, necessariamente, por empurrar certas preocupações para a zona de desatenção, trazendo-as para a atenção imediata apenas quando é necessário.
Como priorizar demandas?
Dwight D. Eisenhower, comandante das forças aliadas no Dia D durante a Segunda Guerra Mundial e 34º Presidente dos EUA, era notório por sua capacidade de priorizar demandas. Eisenhower argumentou, em um de seus discursos, que pare ele só duas classificações de atividades importavam:
“Tenho dois tipos de problemas, o urgente e o importante. Os urgentes não são importantes, e os importantes nunca são urgentes.”
A partir dessa citação, Stephen Covey criou a “Matriz de Eisenhower”, que organiza atividades, problemas e preocupações em dois eixos: o de importância e o de urgência.
A matriz me parece uma forma simples e poderosa de entender o nível de atenção que precisamos dar a uma dada demanda. A definição que pessoalmente uso para as dimensões da matriz são:
Urgente é o que tem uma restrição temporal para ser respondido. Claro, um incêndio é urgente, pois exige uma resposta imediata. Mas um prazo relevante que se aproxima também se torna urgente.
Importante é o que gera mais valor. Claro que valor pode ser definido de forma arbitrária de acordo com o contexto, mas entre duas atividades, me parece que a mais importante é a que pode gerar mais retorno (seja financeiro, seja de felicidade, ou qualquer outra dimensão que você preferir utilizar). Valor também pode significar impedir perda, como no caso de lidar o mais rápido possível com uma emergência (como o exemplo do incêndio).
A partir dessas definições, podemos extrapolar algumas estratégias para priorização de demandas, de forma a controlar melhor nossa sensação de sobrecarga:
O que é urgente e importante pode e deve ocupar nossa atenção primária, afinal de contas, tempo é um fator importante nesse caso. O segredo aqui é diferenciar o que realmente é urgente. Como costumo dizer no trabalho: "não existe email urgente", afinal de contas, se exigisse resposta imediata provavelmente seria uma ligação.
O que não é urgente mas é importante não precisa ficar na nossa mente até ser resolvido. Justamente por não contar com uma pressão temporal, você pode agendar essas atividades para se preocupar com elas no momento certo.
O que é urgente mas não é importante precisa ser resolvido, afinal de contas, tempo é um fator relevante nesse caso. E uma possibilidade, como proposto na matriz, é delegar para que alguém resolva (que pode ou não ser uma opção, dependendo da sua posição). Porém, novamente: cuidado com a definição do que é urgente. Se não exigir sua resposta em um tempo curto, ou não mostrar uma tendência de piora, provavelmente não é urgente.
O que não é urgente e não é importante deveria, idealmente, ser eliminado. Se ainda assim você precisar realizar essas atividades, pode ser útil conversar com quem as solicita sobre caminhos alternativos.
Dicas para lidar com demandas no dia a dia
A partir de uma lógica estabelecida de priorização, você pode desenvolver maior controle sobre sua atenção e, consequentemente, sua sensação de sobrecarga. Mas a adoção desse modelo me fez perceber algumas dicas mais práticas que me ajudam a lidar com demandas no dia a dia, fazendo os desafios parecerem menores do que são:
"Name to tame it": nomear para domar, é um ditado adotado pela comunidade de neurociência para definir uma estratégia que nos ajuda a lidar com desafios do dia a dia. Simplesmente escrever sobre o que se está pensando, seja uma ideia, um problema ou uma emoção, nos ajuda a processá-la com maior facilidade. Então apesar de parecer simples, escrever o que está te fazendo sentir sobrecarregado, seja uma tarefa, uma situação ou uma emoção, é um excelente primeiro passo para controlá-la.
Dividir para conquistar: como diz o ditado, toda jornada começa com o primeiro passo. Não por acaso diversas metodologias de gestão de projetos começam com o exercício de quebrar grandes entregas em pedaços menores: várias pequenas tarefas são muito menos intimidadoras que um grande projeto.
Incorporar flexibilidade na agenda: é fácil se sentir ansioso quando se precisa fazer algo, mas se tem uma agenda lotada. Deixar momentos de respiro na agenda, ou horários sem compromisso alocado, te ajuda a ter a flexibilidade para lidar com demandas emergentes e “se preocupar com algo” no momento certo.
Criar indicadores para priorizar atenção: nem tudo importa a todo tempo. Indicadores ajudam, como o nome sugere, a indicar o que devemos reparar. Você pode criar regras para definir quando uma dada questão merece sua atenção, por exemplo, quando um indicador está mais de 20% abaixo do esperado durante um dado período de tempo.
Aproveitar a inspiração: às vezes a resposta a uma demanda surge quando menos se espera. Ter um caderno (físico ou digital) para capturar ideias quando elas vêm te ajuda a não começar do zero nos horários alocados para atender certas demandas.
Nem sempre podemos diminuir as demandas que temos sobre nós, afinal de contas, vivemos em um mundo imprevisível. Mas podemos sempre decidir como iremos encará-las, o que já ajuda a recuperar boa parte do poder que as demandas têm sobre nosso nível de stress.
No próximo artigo, aprofundaremos no outro lado da equação, os recursos: o que temos internamente à nossa disposição para lidar com as demandas que o mundo empurra sobre nós. Uma estratégia inteligente de gestão do stress passa por aprender a lidar melhor com demandas, mas também por desenvolver melhor seus recursos internos.
Até lá!
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