Erro de contratação ou erro de liderança?
Tão importante quanto contratar bem é criar condições para que as pessoas sejam bem sucedidas em uma nova função.
Uma das piores experiências que um gestor pode ter, sem dúvidas, é a de desligar alguém. Independentemente do contexto, nunca é um processo fácil. Mas, apesar do impacto na pessoa desligada e na organização, muitas vezes é um processo necessário.
A primeira vez que tive que conduzir um processo de desligamento me trouxe uma certa angústia. E não apenas pelo custo emocional, mas por uma dúvida interna: será que foi um erro de seleção, ou estava deixando de fazer algo que deveria em quanto líder?
Mas à frente compartilho minha conclusão em relação a esse caso em específico. Mas a experiência me vez reexaminar minha própria forma de observar os processos seletivos. Especialmente, o que acontece depois que a pessoa é contratada.
A verdade é que a justificativa do “erro de seleção” é muito confortável, e pode justificar outras falhas.
Existem algumas falhas lógicas na visão de que basta a empresa “contratar gente boa” (ou qualquer outra descrição do gênero) que o desempenho será bom, e consequentemente, o negócio terá bons resultados. Apesar de não ter dúvidas de que contratação é um processo altamente estratégico, esse argumento parte de duas premissas perigosas:
É preciso encontrar “gente boa” para contratar.
Essa premissa pressupõe que o sucesso da organização estará na sua capacidade de atrair bons talentos para garantir bons resultados. Em teoria, o argumento faz bastante sentido. Mas na prática duas questões devem ser consideradas:
A própria definição de “gente boa” é complicada. Já vi pessoas com históricos estelares desempenharem mal em novas posições, e pessoas com desempenho mediano desempenharem bem ao mudarem de posição. A ideia de que existe um perfil específico que “sempre tem bom desempenho” não me parece muito realista.
E mesmo se existir um perfil específico de “gente boa”, é natural imaginar que não seja tão comum: se todo mundo fosse muito bom, a definição de muito bom se tornaria mediana. Ou seja: encontrar “gente boa”, deve ser algo raro. Sendo raro, torna-se uma improbabilidade: as poucas pessoas com esse perfil provavelmente já estão contratadas (e muito bem contratadas), e encontrar as que não estão é como encontrar uma agulha num palheiro.
É possível apurar com qualidade o desempenho futuro no processo de seleção.
Diversos estudos já comprovam que nossa capacidade de predizer desempenho futuro em processos seletivos é baixíssima.
*“Quando se trata de escolher um candidato, as entrevistas [tradicionais] são tão úteis quanto jogar uma moeda.”
Richard Nisbett, professor da Universidade de Michigan*
Se já não fosse desafiador encontrar as “pessoas certas”, um desafio adicional se mostra presente: definir, entre aquelas pessoas que estão participando de um processo, quais terão desempenho superior na posição.
Se é improvável encontrar gente boa, e improvável, entre os candidatos, encontrar as que têm essas características, me parece que o depender disso é correr um risco enorme.
O que não quer dizer, de forma nenhuma, que podemos ignorar a qualidade do processo seletivo, ou que estamos fadados ao desempenho mediano. Apenas quer dizer que colocar um peso tão grande no processo seletivo para promover o desempenho da organização não me parece a forma mais inteligente de gerir riscos, e nem a mais justa com os recém entrantes.
Uma outra forma de olhar para o desempenho dos recém contratados
Quando falamos que uma pessoa que entrou no time tem bom desempenho, o que isso quer dizer? É claro que precisa-se considerar o tempo de “rampagem” na função, mas podemos desagregar o desempenho individual nos seguintes fatores:
Desempenho = Contribuição individual + Contribuição dos processos + Sorte
Cada uma dos fatores pode ser definido da seguinte forma:
Contribuição individual
Podemos chamar de talento, esforço, capacidade, competência ou um conjunto de todas essas palavras: o desempenho de um indivíduo, naturalmente, é muito influenciado pela sua própria contribuição.
Contribuição dos processos
O desempenho de uma pessoa não depende apenas dela, os processos no qual ela está inserida têm uma influência relevante. De que rituais aquela pessoa participa? Que ferramentas a pessoa tem à sua disposição? Que treinamentos? Manuais? Processos? Playbooks?
Sorte
Não adianta, ela (ou a falta dela) está sempre presente. Aqui, não quero dizer sorte em nenhum sentido supersticioso, e sim, no sentido de efeito probabilísticos inesperados. Podemos pensar no efeito da sorte na equação de duas formas principais:
Se afetar todos igualmente, como uma queda generalizada na economia, tende a ser percebido em todas as pessoas na mesma intensidade.
Se for uma “tacada de sorte”, ou seja, um evento atípico, é pouco provável que se repita muitas vezes ao longo do tempo (pouco provável não significa impossível - é importante não confundir desempenho com sorte!)
Como promover desempenho superior (sem deixar de ser justo!)
Munidos desse modelo, podemos trazer um pouco mais de raciocínio matemático para análise de desempenho de uma pessoa que acabou de entrar no time, da seguinte forma:
Calibrar e desenvolver a contribuição individual
Se o peso dessa variável for muito grande na equação de desempenho, ou seja, se a expectativa de desempenho for muito dependente da contribuição individual, correm-se dois riscos grandes:
O primeiro é relacionado à própria distribuição de competência: em média, as pessoas vão ter desempenho mediano (a menos que você tenha sido capaz de contratar só pontos fora da curva no processo seletivo). Correndo o risco de utilizar um modelo não ideal, se o desempenho no papel for distribuído como uma curva normal, a maioria das pessoas não entregará resultados estelares (mas também não entregará resultados terríveis).
Já o segundo, sobre a adaptação inicial da pessoa ao papel: é natural que mesmo uma pessoa muito competente demore para dar o seu melhor; é uma nova cultura, novo modelo de gestão, novos rituais, novas expectativas implícitas, etc.
Ou seja, talvez a forma ideal de lidar com a contribuição individual no começo seja justamente contar menos com ela: dar suporte para acelerar a adaptação da pessoa e buscar aumentar sua competência individual - sessões de mentoria, apadrinhamento por colegas mais antigos e reuniões com áreas que interagem com a pessoa são ótimas formas de fazer isso.
Aumentar a influência nos processos no desempenho
Se a contribuição individual tende a ter uma distribuição normal em relação ao desempenho, imagino que os processos tenham uma distribuição uniforme: o desempenho de todas as pessoas é afetado de forma mais ou menos uniforme. E se a contribuição individual de alguém tende a começar baixa, talvez uma forma de elevá-la é por meio de bons processos: ferramentas, roteiros, protocolos de tomada de decisão, rituais, etc.
Um bom parâmetro é buscar criar uma estrutura que uma pessoa que entre e basicamente faça o que é previsto nos processos tenha um desempenho aceitável.
Para fazer isso, um gestor tem inúmeros mecanismos à sua disposição:
Criar roteiros e “sombras” para funções que lidam com clientes: com certeza um roteiro padrão não é a melhor forma de interagir com um cliente, mas é uma boa forma de aprender, de forma explícita, a linguagem e abordagem da empresa. E participar das primeiras reuniões com clientes de um novo colaborador pode ajudá-lo a aprender isso de forma tácita. Por mais bem treinada ou experiente que uma pessoa possa ser, cada empresa tem uma linguagem e uma abordagem, e isso não se aprende de uma hora para a outra.
Consolidar as melhores práticas do time em processos e ferramentas: quem já são as pessoas que melhor desempenham no time? Que ferramentas usam e que processos seguem? É possível institucionalizar a abordagem delas? Muitas vezes as pessoas de melhor desempenho do time não são apenas grandes contribuintes individuais, mas pessoas que encontraram formas mais inteligentes de trabalhar. Essas formas podem, e devem, ser ensinadas para os novos entrantes.
Criar protocolos de tomada de decisão: como você decide? Você consegue descrever as “regras mentais” que usam para uma pessoa utilizar como referência? É fácil considerar que o seu jeito de decidir é “óbvio”, justamente porque está dentro da sua cabeça. Mas não é. Como você pode comunicar isso para o resto do time?
Estabelecer rituais para promover certos comportamentos: o time requer disciplina diária? Você pode estabelecer uma reunião diária de 15 minutos para atualização. Requer tomada de decisão orientada a dados? Você pode fazer uma reunião semanal de revisão dos indicadores. Se os novos colaboradores já entram num time com rituais estabelecidos, a tendência é que absorvam os comportamentos esperados com muito mais facilidade.
Não estou defendendo aqui a mecanização do trabalho, mas o uso inteligente das boas práticas: à medida que uma pessoa tem mais experiência prática, ela pode alterar a forma de trabalhar e trazer mais de si para o trabalho. Mas antes disso, processos tendem a aumentar o “piso” do desempenho, promovendo um mínimo mais aceitável.
Entender que a sorte é, por natureza, imprevisível
É claro que, ao longo do dia a dia, improbabilidades acontecem: você pode encontrar a pessoa certa no momento certo e vender um projeto milionário, ou ter uma reunião com uma pessoa em um dia ruim e perder uma conta importante. Aqui o importante é saber identificar o que é uma improbabilidade conjuntural (como uma guerra no exterior, que prejudica todo mundo), que afeta o desempenho de todos, de uma improbabilidade pontual, que por definição, não deve acontecer com frequência.
Se algo aparentemente improvável é frequente, pode ser mais sinal de competência superior ou inadequação ao papel. Mas só é possível observar frequência em um dado período de tempo.
De forma geral, olho dessa equação da seguinte forma: ao entrar, espero que a contribuição individual de alguém seja menor em relação ao resultado que ela alcançará apenas seguindo os processos. À medida que o tempo passa, um bom sinal de sucesso é a inversão dessa proporção. Mas contar com isso no começo é correr um risco, ao que me parece, desnecessário.
Na história no começo do artigo, falei do meu conflito em relação a um processo de desligamento. Nesse caso em específico, ficou claro que foi sim um erro de contratação: a pessoa, apesar de ter várias qualidades relevantes, não se identificava com nosso modelo de trabalho, sistema de gestão ou cultura. Nesse caso, investir mais no relacionamento apenas prejudicaria ambos os lados.
Mas tomei essa decisão, com a consciência tranquila, após “isolar as variáveis”: estava claro que todo suporte organizacional que poderia ser dado, foi dado: processos, protocolos e rituais. Se o desempenho continuava baixo, me parecia evidente que a contribuição individual não estava compatível com a função. Logo, era melhor apoiar a pessoa a estar em um lugar onde sua contribuição individual seria mais valiosa.
O aprendizado ficou: hoje em toda contratação me pergunto se estou dando suporte suficiente para a pessoa “se provar” na função, e se a contribuição individual cresce com o tempo. Essas questões me ajudam a refletir sobre adequação de uma pessoa à função, sem desconsiderar a minha responsabilidade no seu sucesso.
Te convido a refletir, quando encontrar um caso de baixo desempenho no time, se esse é um problema de contratação, ou se é um problema de liderança. Nem sempre a resposta será confortável. Mas independente de qual for, a pergunta te fará crescer com líder.
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