Liderança orientada ao futuro | Parte I
Sua caixa de ferramentas de liderança está preparada para o futuro que emerge?
No último ano ano fiscal, reformulamos nossa forma de fazer planejamento estratégico no Grupo Anga. Nos primeiros cinco anos de vida, nos serviu bem fazer planejamentos anuais: quando você está no começo, ainda sem tanta clareza do perfil de cliente que pretende atender, ou mesmo das competências estratégicas que pretende desenvolver, nos servia melhor ter estratégias mais emergentes do que deliberadas.
Ainda temos bastante espaço para estratégias emergentes (dado que é uma premissa fundamental de uma empresa que opera em autogestão), mas percebemos que, após um certo porte, certas premissas e hipóteses se tornam escolhas estratégicas. E escolhas estratégicas exigem consistência para gerarem resultado.
Por exemplo, quando começamos a Tribo, tínhamos alguma ideia do tipo de cliente que gostaríamos de atender, mas estávamos abertos à possiblidades. A cada novo ciclo de planejamento adaptávamos essa visão a partir dos aprendizados do ano anterior. Hoje, com uma certa história construída, o desafio está menos em adaptar-se às mudanças, e mais em definir de forma consistente como dedicar mais esforços em relação à uma decisão que tomamos.
Mas nesse artigo não pretendo explorar o método de planejamento estratégico utilizado (o que pode até ser tema para um artigo futuro), mas sim, outra questão fundamental: o que muda no papel do líder quando o horizonte da estratégia muda?
Vale destacar que esse artigo fará parte de uma trilogia, pela certeza de que não é possível compartilhar todos os aprendizados em um só artigo, mantendo um tamanho razoável.
Os diferentes horizontes de estratégia
Quando redefinimos o horizonte e o conteúdo do nosso planejamento estratégico, ficou claro pra mim que a caixa de ferramentas de liderança precisaria ser revisitada. E por um motivo simples: horizontes diferentes têm contextos diferentes de atuação. Claro que a definição dos horizontes aqui é, de certa forma, arbitrária, e sem dúvida nenhuma contextual: o que é considerado, em anos, futuro próximo para um negócio de energia pode ser considerado futuro distante para um negócio de serviços. Mais importante que o tempo, são as características do plano:
1. Futuro próximo
O planejamento para o futuro próximo é orientado para os objetivos mais imediatos da empresa, e se concretiza no curto prazo.
Há abundância de informações disponíveis, como relatórios operacionais e indicadores de performance.
O grau de incerteza sobre as variáveis consideradas é relativamente baixo (claro que não estou considerando situações extremas - como uma pandemia).
O trabalho de liderança é, principalmente, tático, no sentido de utilizar-se dos recursos e capacidades existentes de forma inteligente para alcançar os objetivos propostos.
2. Futuro intermediário
O planejamento para o futuro intermediário tem a cara de boa parte dos planejamentos estratégicos tradicionais, onde os objetivos se concretizam no médio prazo.
As informações existem, mas via de regra, são desarticuladas. Ou seja, para tomar uma boa decisão estratégica, deve-se buscar informações de diversas fontes diferentes, como dados sobre o mercado, capacidade operacional, ou mesmo planejamento de pessoal.
O grau de incerteza sobre as variáveis consideradas é tolerável, no sentido que considera-se uma certa previsibilidade de algumas variáveis para o plano (caso contrário, planejar seria bastante complicado).
Em um contexto como esse, o trabalho de liderança é, principalmente, estratégico, dado que busca desenvolver a organização para ocupar uma posição singular no futuro.
3. Futuro distante
O planejamento para o futuro distante é menos um plano, e mais uma carta de intenções, considerando que são objetivos se concretizam no longo prazo.
Quando falamos de futuro distante, estamos falando naturalmente de informações escassas: é difícil prever quais tecnologias estarão em alta daqui a dez anos, assim como quais as principais mudanças de comportamento na sociedade. Podemos analisar sinais fracos e tendências, mas não é possível ancorar-se neles para decisões específicas.
O grau de incerteza sobre as variáveis consideradas é alto: uma empresa que depende de uma tecnologia extremamente avançada para funcionar, por exemplo, pode ter que lidar com uma diferença de anos para sua adoção.
Em um contexto como esse, liderança é sobre visão, a construção criativa de um futuro desejado, e o direcionamento dos esforços organizacionais para essa direção.
Essa imagem resume as características dos três horizontes:
Uma matriz para pensar em liderança estratégica
Ao listar as diferenças entre estes diferentes horizontes, fica fácil reparar que as competências necessárias para liderar em cada um dos futuros é diferente. É necessário criatividade para construir uma visão de longo prazo, mas disciplina para materializar objetivos de curto prazo. Apesar de poderem estar presentes em um mesmo indivíduo (ou grupos de indivíduos), momentos diferentes irão requerer atuações diferentes.
E o que muda?
Provavelmente inúmeras questões. Mas a experiência me mostrou que quatro domínios da liderança eram substancialmente diferentes em relação a cada horizonte:
O principal objetivo de liderança
O tipo de pensamento por trás das decisões
O tipo de estrutura que é construída
A principal tarefa do líder
Três horizontes diferentes, liderados em quatro domínios diferentes, deram origem à seguinte matriz:
Como estratégia, naturalmente, é sobre projetar o futuro e desdobrá-lo no presente, começamos esse artigo pelo futuro distante.
Liderança para o futuro distante
A função do líder em relação ao longo prazo está na direção, muito mais que no destino. Como boa parte das variáveis que afetarão a empresa são desconhecidas, o líder tem duas principais funções: tornar a empresa o mais preparada possível para esses futuros em potencial, e compartilhar a visão com os demais colaboradores, que via de regra têm menos oportunidade de pensar tão a longo prazo. Essa função se manifesta das seguintes formas:
Objetivo: entender cenários
Como nos preparamos para o que ainda não sabemos/ainda não temos certeza?
É impossível saber com certeza o que vai acontecer no futuro. Mas é possível identificar certas tendências, ou “sinais fracos”, como muitos futuristas os chamam. E mais importante que identificar esses sinais, é fundamental entender como a organização está se preparando para lidar com eles.
A emergência de novas tecnologias ilustra bem o papel dos cenários. Vamos supor que você lidera uma empresa que opta por investir em uma tecnologia emergente, por entender que, no futuro, ela será bastante relevante. Por exemplo, você pode entender que NFTs, ou Metaverso, serão muito relevantes em alguns anos.
Mais aí entra uma pergunta importante: em quantos anos? Se você se planejar considerando um período específico, pode correr dois riscos: o de chegar tarde demais, e perder a oportunidade, ou de chegar cedo demais, e não ter fôlego financeiro para aguardar a adaptação do mercado. A verdade é que tentar acertar quando uma tecnologia “decola” é muito difícil, senão quase impossível. Um exercício mais útil envolve fazer perguntas do tipo:
O que faremos se a tecnologia se tornar viável no prazo em que estimamos?
O que faremos se a tecnologia se tornar viável mais rápido do que estimamos?
O que faremos se a tecnologia ainda não se mostrar viável no prazo em que estimamos?
Pensando em diferentes cenários para variáveis e hipóteses fundamentais para o futuro te permite se preparar, ou pelo menos se antever, a certos contratempos que possam vir a acontecer.
O mesmo pode valer para outros tipos de variáveis, contanto que sejam chave para seu negócio. Por exemplo, se você opera um negócio intensivo em capital de dívida, como real estate, uma reflexão válida pode ser: o que faremos se a taxa de juros mudar substancialmente para cima? Ou para baixo?
Pensamento: criativo
Que mudanças tecnológicas/sociais podem transformar nosso negócio? E se acontecerem?
A construção de uma visão de futuro envolve sim análise, mas envolve, principalmente, a capacidade de contar uma história coerente. Apesar de números serem necessários para planejar, em um horizonte é difícil definir números com precisão, talvez seja mais válido se perguntar: o que é provável que aconteça?
Uma boa parte do processo de construção de estratégia está justamente na construção de narrativas. Quando começamos o Grupo Anga, por exemplo, tomamos a decisão de nos aprofundarmos em questões de consciência e sustentabilidade por uma questão ética própria. Porém, ao desenhar nossas estratégias, não bastava focar apenas nos nossos interesses: era fundamental entender o contexto em que estávamos inseridos. Já era possível, em 2016, observar certas tendências apontando para um maior interesse do mercado nestas questões no qual estávamos nos aprofundando, que vieram a se chamar de questões ESG (Ambiental, Social e de Governança, na siga em inglês). Ao desenhar uma história provável do que acreditávamos que aconteceria, da pressão feita pelo setor financeiro, até uma possível reação das empresas, pudemos planejar nossa estratégia de portfolio, por exemplo, tomando a decisão de integrar uma estrutura de comunicação (a Qura Editora), focada nesses temas, para aproveitar esse provável momento de mundo.
Desenvolver a musculatura criativa para pensar em cenários não é fácil. Eu mesmo ainda tenho dificuldades para me desprender dos desafios atuais ao pensar no futuro. Mas sugestões que tem me ajudado a, aos poucos, treinar essa capacidade:
Acompanhar relatórios de tendência comportamental, como os do Trendwatching.
Acompanhar relatórios de tendências tecnológicas, como os do Gartner.
Ler livros de ficção sobre o futuro (uma observação: o próprio conceito de metaverso saiu da ficção).
Estrutura: competências chave
Estamos desenvolvendo, como organização, competências úteis para o futuro?
No longo prazo, qualquer exercício de estrutura é inócuo. E isso acontece por um motivo simples: a estrutura serve à estratégia que, por sua vez, serve ao contexto que está inserida. Não faz sentido pensar nos departamentos que se terá no futuro, isso só será claro quando dado futuro chegar e você precisar se adaptar.
Isso quer dizer que a organização não cria estruturas pensando no longo prazo? Não, significa que ela o faz de forma mais abstrata. E aqui o conceito de competência chave é fundamental. De acordo com seus criadores, Gary Hamel e C. K. Prahalad, “uma competência é um conjunto de habilidades e tecnologias, em vez de uma única habilidade ou tecnologia discreta”. Eles avançam ainda para detalhar que o nível de especificidade de uma competência se dá por conveniência, mas de preferência, não deve ser nem muito abrangente, nem muito específico. Um exemplo que oferecem (que ainda faz sentido mais de 30 anos depois de ser escrito) é o da Fedex: logística é abrangente demais, então é uma metacompetência, utilização de códigos de barras é uma habilidade ou tecnologia, uma competência chave poderia ser a capacidade de rastrear pacotes de forma eficiente e precisa.
Mas o que faz uma competência ser uma competência chave? Para ser considerada chave, uma competência deve possuir uma ou mais dessas características:
Valor percebido pelo cliente: uma competência pode ser considerada chave justamente porque os clientes a percebem como tal. E não necessariamente está relacionada ao produto específico daquela empresa. Comprei, há alguns anos, uma mochila da Patagonia, uma empresa que sempre admirei por suas práticas de sustentabilidade. Minha mochila descosturou em uma das alças, e ao levar na loja para avaliarem o reparo, me foi oferecida uma nova, sem nenhum questionamento adicional. Mesmo sendo um produto comparativamente caro, no mesmo dia minha esposa comprou uma mochila de lá: além da qualidade do produto, o atendimento ao cliente se mostrou imbatível, e estávamos dispostos a pagar um prêmio financeiro por isso.
Diferenciação dos concorrentes: significa que a competência gera uma percepção clara de distinção da empresa em relação às demais empresas do mercado.
Extensibilidade: significa que essa competência pode ser estendida para outros contextos e mercados. Um exemplo interessante que tenho acompanhado está na indústria de jogos a competência de construir cenários realistas de lugares históricos é muito útil para produzir jogos. Mas também pode ser útil para educação, ou mesmo em um cenário de viagens via realidade virtual no metaverso.
Um exercício interessante a se realizar é o seguinte: reúna-se com seu time executivo e reflita sobre as seguintes perguntas:
Quais reconhecemos como nossas competências chave?
Quais são as mais reconhecidas por clientes?
Quais nossos concorrentes não possuem, ou possuem em um nível muito inferior a nós?
Quais são extensíveis para outros mercados, ou nos prepararam para tendências futuras?
Responder essas perguntas pode te ajudar a alocar recursos, priorizando o investimento nas competências mais relevantes, ou mesmo nas extensíveis para o futuro.
Tarefa: definir e comunicar a visão
A expectativa sobre o líder é de que seja capaz de definir para onde o time está indo, e a qual propósito ele serve.
Uma das maiores lições que aprendi sobre visão, é que as pessoas, no geral, sabem muito menos do que esperamos que elas saibam sobre porque a empresa faz o que faz, ou porque certas decisões são tomadas. É papel do líder comunicar isso.
Se você define certos cenários futuros para a organização, isso naturalmente vai afetar certas decisões tomadas, certas alocações de recursos, certas priorizações de projetos. Mas nem todo mundo na organização terá tanta clareza da direção que se está caminhando, ou do futuro que se observa.
Essa clareza exige comunicação eficiente: para onde estamos indo, porque estamos indo para lá, e quais são as possibilidades que observamos. Essa clareza de direção gera alinhamento estratégico, permitindo com que todos tomem decisões orientadas ao futuro (ainda que em contextos mais específicos), e que as pessoas fiquem menos frustradas por não entenderem certas decisões. Se o futuro está claro, fica mais fácil entender certas decisões no presente.
A matriz de liderança estratégica fica então, até agora, com esses elementos:
Nos próximos artigos, aprofundaremos na liderança estratégica, capaz de fazer a ponte entre o futuro distante e o futuro próximo, viabilizando a captura de oportunidades e a mitigação de ameaças pela organização.
No terceiro, o foco será a liderança tática: o mindset e comportamento necessário para, ainda que orientado ao futuro, fazer as coisas acontecerem no presente. Nesse também, compartilharei algumas práticas em relação à utilização do modelo para liderar em cada um dos cenários, assim como sugestões de tempos e movimentos para cada uma das práticas.
Espero que esteja presente em todos os passos dessa jornada!
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