Quer ser mais eficiente no trabalho? Comece a cuidar da sua memória
Cuidar do seu "arquivo" pode ser tão importante quanto ter novas ideias.
Apesar de ser graduado em administração, sempre fui fascinado por computação, desde que fiz um curso de C++, lá no longínquo ensino médio. E para mim, a beleza da computação está justamente na ordem: tudo que acontece, acontece por uma razão lógica. Mesmo os bugs não são causados, em sua maior parte, por uma escolha do computador, mas por uma decisão equivocada do programador.
E uma pergunta que costumo me fazer com alguma frequência é: será que a lógica ordenada e algorítmica da computação se aplica a algo tão caótico e, muitas vezes, irracional* como a gestão? (*irracional no sentido de lidar com pessoas com sentimentos, e não com máquinas).
Sempre encontro algumas relações úteis entre as disciplinas, mas uma das que mais me foram úteis foi perceber o quanto a função da memória nos algoritmos se assemelha a como funcionamos.
Não me considero uma pessoa criativa ou imaginativa. Se fosse escolher um adjetivo com “-iva”, provavelmente diria que sou uma pessoa produtiva. Diria que meu lado esquerdo do cérebro domina a maior parte das minhas discussões internas, e foco bastante em materializar as soluções, por acreditar que o confronto com realidade é um teste melhor do que a conceituação. Porém, me vejo acostumado a lidar com problemas de natureza muito mais “lado direito” do cérebro:
Como promover um maior nível de confiança no time?
Como incentivar um maior engajamento em relação a resultados?
Como promover alinhamento em relação a um propósito comum?
Meu processo de raciocínio tem menos a ver com imaginar uma solução criativa ou imaginativa para essas perguntas, e mais a ver com “o que meu arquivo mental me diz sobre isso?” ou “já lidei com alguma situação parecida? O que funcionou?”.
Essas perguntas são bastante óbvias, mas sua aplicação prática já foi bastante inovadora. Na década de 50, Richard Bellman, um dos grandes nomes da ciência da computação, percebeu que muitos problemas cuja solução era demorada e custosa, o assim eram porque o mesmo subproblema era resolvido mais de uma vez: a ilustração clássica disso é a construção de uma sequência de Fibonacci (onde o mesmo número acaba sendo calculado diversas vezes).
O que Bellman percebeu é que se o algoritmo for capaz de armazenar certas soluções e acessá-las em um momento certo, seu custo de processamento cai enormemente: ele não precisa gastar tempo buscando uma solução para um problema antigo, apenas para novos problemas.
Isso acontece com nossos cérebros também. Você já percebeu que uma boa parte do papel de um mentor é te ajudar a “cortar caminhos” por meio da “transferência de memórias” do que funciona e o que não funciona? O jeito mais rápido de resolver um problema é já saber como resolvê-lo (apesar do nível de obviedade dessa frase, ela está aqui de propósito).
Isso nos economiza o valioso tempo necessário para buscar uma solução, e nos permite ir mais rapidamente para a prática. Duas estratégias tem me ajudado a diminuir esse tempo de busca, para avançar logo para a prática:
Durma mais (ou melhor)
Já foi dedicado muito tempo sobre a importância do descanso estratégico: das férias, dos sabáticos e dos power naps para ser mais criativo, para melhorar seus relacionamentos, e por aí vai. Recentemente, Brené Brown postou sobre como pretende tirar um sabático de três meses com seu time inteiro (o que é um experimento incrível!).
Mas acho fundamental falarmos da da importância de algo mais simples: de dormir bem no dia a dia, de segunda a domingo.
Uma boa parte da nossa memória de longo prazo, que é quando realmente aprendemos de verdade, se constrói durante o sono, especialmente durante o sono profundo. É lá que os aprendizados se consolidam e passamos a fazer as coisas de forma natural.
Quando você excede seus limites de energia para fazer tudo que precisa fazer, e não descansa de forma ideal, muitos dos “caminhos mentais” construídos ao longo do dia são perdidos, ou enfraquecidos. Ao lidar com problemas similares posteriormente, você se torna uma pessoa menos apta a identificar similaridades e possíveis abordagens, e passa a gastar tempo tentando encontrar a melhor forma de lidar com a nova situação.
A supervalorização do esforço pode te colocar num ciclo vicioso: trabalhar muito leva a descansar mal, que leva a precisar trabalhar muito para resolver questões que poderiam ser mais fáceis. Ao trabalhar muito, você provavelmente descansará menos, e o ciclo se retroalimenta.
Aqui cabem também algumas inúmeras dicas já estabelecidas:
Evitar o uso de tecnologia após o pôr do sol (eu mesmo não consigo usar essa, então simplesmente ativo o modo de luz noturna do computador e do celular - provavelmente o seu já tem essa função nativa);
Evitar alimentos de digestão difícil no jantar;
Buscar coisas que relaxam ao invés de empolgar de noite (ler é uma boa pedida);
E a mais simples de todas: ter um horário rotineiro para dormir.
Construa um segundo cérebro
“Pode deixar que eu lembro, não preciso anotar!”, disse a pessoa que não conseguiu descansar porque sentia que “estava esquecendo de alguma coisa” no final do dia.
A verdade é que, mesmo com toda a higiene cognitiva que você pode ter, no final do dia, é muito comum que nossa memória nos sabote. A razão é simples: porque não é escolha nossa saber o que vai ou não vai ser armazenado: apenas acontece.
O pesquisador Seymour Papert, cofundador do laboratório de inteligência artificial do MIT, argumentou durante a década de 60 que são importantes não apenas os ingredientes do raciocínio, mas como eles são organizados: uma mente não pode realmente crescer muito meramente acumulando conhecimento. Marvin Minsky, seu colega e diretor do laboratório, transformou esse ponto de vista em um princípio:
Princípio de Papert: Alguns dos passos mais cruciais no crescimento mental baseiam-se não apenas na aquisição de novas habilidades, mas na aquisição de novas formas administrativas de usar o que já se sabe.
Aprender mais é fundamental. Mas qual seu método para registrar e recuperar, com facilidade, o que aprende?
Ter um bom sistema de notas é fundamental. Há quase dez anos venho construindo uma base de ideias e referências usando ferramentas digitais: originalmente o Evernote, e, mais recentemente, o Notion (não por acaso esse artigo foi publicado aqui, estou centralizando muitas informações pessoais na ferramenta).
No meu caso, sigo a seguinte lógica: organizo meus “cadernos” de referências por formato (artigos, livros, cursos, eventos, etc.) e minhas “tags” por assunto (liderança, gestão, marketing, finanças, ou o que for). Já os cadernos de “trabalho”, por área da vida: pessoal, conselheiro, blog, e por aí vai.
Com essa organização, sempre que preciso começar uma atividade, sempre inicio por: existe alguma referência ou anotação que pode me servir nesse momento? Qual o tema, ou o formato em questão? Da mesma forma, ao final de uma atividade difícil, ou de uma leitura interessante, faço o mesmo processo: como posso armazenar esse conhecimento? Pode ser uma nota? Uma gravação? Como categorizo esse assunto?
Pode parecer complexo (ou não, se você já organiza suas notas), mas com o tempo, se torna um processo natural, que consome pouco tempo, e te ajuda a, de forma disciplinada, construir as “novas formas administrativas de usar o que já sabe”, propostas por Papert.
Memória afiada = eficiência cognitiva
A conclusão central é essa: quer fazer as coisas mais rapidamente, e possivelmente melhor? Cuide bem da sua memória.
A estúpida competição de “quem dorme menos horas” que vivemos hoje em dia glorifica trabalhar duro, mas erra ao ignorar o trabalho inteligente. A vida profissional não pode ser uma corrida para o fundo do poço: quanto mais cansado melhor. Eu conscientemente escolho dormir de 7 a 8 horas por noite, por entender que isso garante que as que eu estarei acordado serão mais eficientes. Você pode precisar de mais ou menos, e está tudo bem: o que importa é reconhecer o tempo que garante que horas despertas são mais eficientes.
E tome boas notas. Estruturar um bom sistema de notas, ao invés de anotar de forma dispersa, pode tomar um certo tempo inicial, mas à medida que seu volume de notas aumenta, de forma rastreável, você tem uma arma secreta para lidar com inúmeros desafios que aparecem no dia a dia. Como disse Benjamin Franklin: “Investir em conhecimento rende sempre os melhores juros.”
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Espero te ver aqui mais vezes, e até a próxima!