Um guia para gerar valor desproporcional como líder
Encontre as alavancas de valor entre as suas atividades.
A primeira coisa que eu aprendi quando assumi minha primeira função como CEO, na Qura, foi que nunca dá tempo de fazer tudo que se quer. Certos dias eu dedicava mais energia ao comercial, outros ao marketing, outros ao editorial, e em todos esses dias a minha sensação é que eu estava equilibrando um prato apenas porque estava deixando os demais caírem.
Mesmo achando que o tempo estava em falta, paradoxalmente sentia que, em várias situações, estava perdendo tempo. Muitas vezes me fazia a pergunta: é isso mesmo que eu deveria estar fazendo?
A verdade é que a liberdade que se tem em uma posição de liderança é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição: você tem uma boa flexibilidade para decidir o que precisa fazer com o seu tempo, mas precisa viver com as consequências de não alocá-lo da melhor forma.
Isso me levou ao seguinte questionamento: será que existe uma forma mais inteligente de priorizar minhas atividades como líder?
Minha busca me levou a perceber que certas atividades que eu realizava geravam valor desproporcional em relação às demais: eu era capaz de efetivamente “mexer nos ponteiros” sem gastar, em relação à média das minha atividades, tanto tempo. Essa conclusão é bastante óbvia, e não requer grandes investigações. Mas o que mudou minha forma de pensar foi perceber que existiam certos padrões em relação às atividades que geravam valor desproporcional, e eu poderia ser mais proativo em buscá-las na minha rotina. Essas atividades são as que apelidei de alavancas de valor, e ficou claro para mim que, apesar de presentes em diversos lugares de uma organização (e é papel do líder encontrá-las) eles estavam presentes especialmente em dois tipos de atividades: as que aconteciam em momentos da verdade, onde eu agiria de forma mais cirúrgica, e as que gerariam ganhos compostos, onde eu teria uma abordagem mais estruturante. Parte do meu sucesso estaria em encontrar o equilíbrio entre essas duas formas de encarar meu trabalho:
Explico em mais detalhes as duas abordagens a seguir.
Abordagem cirúrgica nos “momentos da verdade” do líder
Quase todas as atividades da vida organizacional possuem certos momentos onde o valor gerado, ou percebido (que em muitos casos dá no mesmo), é desproporcional à duração completa da atividade. Alguns exemplos vêm à mente:
Em um projeto de consultoria, você pode ser um excelente gestor e ter um ótimo relacionamento com o cliente, mas a percepção geral de valor será desproporcionalmente afetado pela sua performance em certas entregas;
Em um processo de venda, os inúmeros follow ups e revisões de proposta são necessários, mas muitas vezes o sucesso geral da venda é desproporcionalmente influenciado por algumas reuniões específicas, como a coleta do briefing, a primeira apresentação da empresa para o cliente, ou a primeira apresentação da proposta;
Em um relacionamento com um cliente, uma relação de longo prazo pode acabar sendo definida por como a empresa se comportou em um momento que o cliente teve um problema, e precisou de um suporte mais próximo;
Ao liderar o time, a percepção que as pessoas têm de você podem ser bastante afetada com como lidou com um momento chave: uma situação difícil de uma pessoa do time, ou um momento de apresentação de uma nova estratégia ou iniciativa.
Imagino que você, lendo esse artigo, possa ter pensado em inúmeros outros exemplos de momentos onde o valor geral de uma relação é desproporcionalmente afetado por momentos específicos. Chamo esses momentos aqui de “momentos da verdade”. São os momentos onde a senioridade do líder pode realmente fazer toda a diferença.
Podemos considerar injusto o fato de que uma relação pode ser elevada ou rebaixada de acordo com momentos específicos. Ou podemos reconhecer esse fato e usá-lo ao nosso favor, identificando onde uma certa incursão cirúrgica pode fazer a diferença.
Quando me dei conta desse fato, comecei a criar, junto ao time, certas heurísticas de como poderia reconhecer esses momentos e a participar mais ativamente:
Combinei com o time comercial de participar da primeira reunião (onde contamos a história da empresa e geramos identificação) e da apresentação da proposta final (onde reforçamos nossa credibilidade) para clientes que julgávamos chave para nossa estratégia;
Combinei com o time de atendimento para me envolver diretamente, possivelmente apenas com um email, em casos desafiadores com clientes, como problemas recorrentes sem solução;
Combinei com o time de operações de projetos para, em projetos estratégicos (segundo critérios como importância da conta e grau de complexidade do projeto), me envolverem no kick off ou em certas entregas específicas;
Mapeei as interações mais importantes que teria com o time, e defini como poderia ter uma abordagem mais impactante: principalmente nas reuniões trimestrais, onde era o momento de celebrar e reconhecer os resultados do último quarter, e inspirar o time para o quarter que se iniciava.
Como eu não poderia participar de todos os momentos relevantes da empresa, criei certos protocolos para definir onde a alocação do meu tempo fazia a maior diferença.
Você não precisa ocupar uma posição de CEO para ser ativo em momentos da verdade. Na sua equipe, com certeza existem certas situações onde a senioridade e a visão mais ampla podem gerar grande impacto. O importante aqui é diferenciar esses dos demais, criar bons critérios para definir quando sua participação é necessária, e bons acordos com o time para garantir que sua participação não rouba o reconhecimento dos envolvidos.
Para mim, aprender a ser cirúrgico, com pequenas incursões em momentos chave, me liberou tempo pra participar de mais momentos da verdade, ao invés de lotar minha agenda com com momentos que geram valor linear.
Abordagem estruturante como estratégia de ganhos compostos
A outra categoria de atividades que percebi que poderia gerar valor desproporcional eram as que envolviam uma abordagem mais estruturante. Por abordagem estruturante digo, de forma simplificada, a realização de atividades que podem diminuir um dado custo ou aumentar um dado valor gerado ao longo do tempo.
O que mais me ajudou aqui foi perguntar ao time coisas como:
Onde você perde mais tempo no seu trabalho?
O que poderia tornar sua rotina mais produtiva?
Que atividades realizadas por você mais contribuem positivamente com suas metas?
A verdade é que a abordagem estruturante é quase que oposta à cirúrgica. Enquanto os momentos da verdade são os grandes picos de um projeto, inciativas de desenvolvimento organizacional são, na maioria das vezes, justamente as que melhoram, marginalmente, as demais atividades. Por exemplo:
A criação de relatórios ou dashboards automatizados, ou mesmo pré estruturados para uma equipe que gasta muito tempo coletando informações para compartilhar com clientes;
A criação de protocolos específicos para processamento de planilhas, como comandos e macros, que dão certo trabalho para serem implementados, mas economizam horas mais a frente;
O desenvolvimento de manuais ou portais de atividades para os novos colaboradores, com links de acesso fácil para ferramentas que serão utilizadas no dia a dia (reduzindo o gasto com comunicação para consulta).
Esses são todos exemplos onde a repetição disso ao longo do tempo gera "juros compostos", seja porque o time perde menos tempo, ou faz o que faz melhor. Na prática, o que isso quer dizer é: o “valor presente líquido” da atividade gera valor desproporcional, não necessariamente o trabalho em si naquele momento.
O fortalecimento da equipe por meio de processos, ferramentas, dashboards, manuais e afins, toma um certo tempo no momento da criação, gera valor por um bom tempo.
Infelizmente, é quase impossível fazer com que todo o seu dia seja focado nas alavancas de valor: todos temos nossos “incêndios para apagar” e nossas atividades de rotina, que deixam “as coisas funcionando” na organização. Porém, é perfeitamente possível começar a identificar e categorizar as alavancas de valor da sua organização ou sua equipe como uma forma de priorizar suas atividades, decidindo conscientemente quando atender a algo urgente ou rotineiro, e quando focar em atividades que geram mais valor. E ao identificá-las, definir critérios e abordagens para seu envolvimento.
E mesmo identificar as atividades que são alavancas de valor, o equilíbrio entre as duas abordagens é importante: enquanto a abordagem cirúrgica gera valor considerável, mas possivelmente exige uma certa presença da liderança, a abordagem mais estruturante demora a gerar resultados expressivos, mas tende a se transformar em legado, instalando competência no time à medida que se adota novas formas de trabalhar. Encontrar esse equilíbrio entre se fazer presente por meio da participação ativa, e se fazer presente por meio do legado institucionalizado é fundamental.
Claro que nem sempre essas atividades vão “chegar até você”. Em muitos casos, encontrar alavancas de valor é um desafio considerável da liderança, que pode envolver atividades como bons 1:1s com seu time para encontrar desafios e oportunidades, ou mesmo boas notificações (do tipo: configurar sistemas para “se o número tal chegar em tal lugar, me notifique), ambos temas que merecem ser tratados em mais detalhes próximos artigos.
Espero que essa abordagem te ajude a identificar e de gerar mais valor como líder. Essa não é uma lista exaustiva de atividades: existem tantas abordagens de priorização para líderes como existem líderes. Eu mesmo pretendo tratar de várias outras que uso em conjunto com essa no meu trabalho. Mas talvez um dos maiores ganhos ao encontrar formas de gerar valor desproporcional não esteja apenas no valor em si, mas na possibilidade de chegar, com maior frequência, ao final de um intenso dia de trabalho e dizer: “hoje foi um bom dia”.
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